30/07/2013

UM TEXTO DE FERNANDO DACOSTA

Fernando Dacosta tem sido um dos intelectuais mais desassombrados e incómodos para o poder. 
Estava silencioso (ou silenciado pelos media - isso não sei) desde há uns tempos. 
Veio agora a público com um tema importante, sobre um novo grave ataque do (des)Governo aos aposentados, que recebi pela internet e transcrevo:


Tiro de misericórdia
Fernando Dacosta

No último dia como ministro das Finanças, Vítor Gaspar assinou um decreto que pode liquidar a vida de, pelo menos, 3 milhões de portugueses. Esse decreto determina que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (que geria uma carteira de 10 mil milhões de euros) "terá de adquirir 4,5 mil milhões de euros de dívida soberana".
Sabendo-se que o referido fundo foi criado como reserva para assegurar, em caso de colapso do Estado, os direitos dos reformados, pensionistas, desempregados e afins durante dois anos (segundo o articulado de lei de bases), o golpe em perspectiva representa o risco de uma descomunal tragédia entre nós.
Lembremos que dos rendimentos dos seniores vivem hoje gerações de filhos e netos seus, sem emprego, sem recursos, sem amparo, sem futuro. Lembremos ainda que os últimos governos têm sido useiros no desvio de verbas da Segurança Social para pagamentos de despesas correntes - "o que qualquer medíocre gestor de fundos sabe que não se deve fazer", comenta, a propósito, Nicolau Santos no "Expresso".
Em 2010, dos 223,4 milhões de euros que deviam ser transferidos para o fundo em causa, o executivo apenas entregou 1,3 milhões.
Após ter semidestruído Portugal economicamente, socialmente, familiarmente, psicologicamente, com total impunidade e arrogância, Vítor Gaspar deixa, ao escapar-se, apontado um tiro de misericórdia aos idosos (e não só), depois de os ter desgraçado com o seu implacável autismo governamental.
Sindicatos, partidos, oposições, igrejas, comentadores, economistas, intelectuais meteram, por sua vez, a viola no saco ante mais esta infâmia - entretanto, os papagaios de serviço aterrorizam as populações com a insustentabilidade da Segurança Social.

Jornal i, 2013-07-25

Correndo o risco de atingir o alvo errado, utilizo-me do texto para uma resposta que dedico a uma série de pessoas, mais do que ao próprio Fernando Dacosta, pelas razões que expus.

Eu ando a avisar há muito tempo que isto ia acontecer, desta forma ou doutra qualquer.

Nem sei mais o que dizer, a não ser que ainda consigo ficar perplexo, não com o ponto a que chega quem nos (des)governa, mas com a passividade dos diretamente atingidos


Nem falo dos outros - os indiretamente atingidos - que, mais cedo do que julgam, vão também levar a bordoada. À boa maneira portuguesa, auto-iludem-se julgando passar entre a saraivada de granizo grosso com que o país está a ser bombardeado.

E porque é posto o foco na figura do Gaspar? Não dá para ver que Coelho era o chefe dele, e também tinha que assinar os decretos? E Cavaco, como PR, não põe sempre a última assinatura? Todos sabem que sim.

Fico satisfeito por o F.Dacosta, um grande homem do teatro e do jornalismo, fazer esta denúncia tão clara de algo que é gravissimo. Só ele e mais uns poucos têm esse dom de dizer tanto em tão poucas palavras. 

Mas infelizmente não basta. Se for só para denunciar, corre-se o risco de dar um ar fatalista. É preciso agir, aliás já o é há muito tempo.

Contar com os partidos, os sindicatos, e toda essa gente dos media, presa a um sistema de vida que marginaliza os mais velhos e deixou de saber o que é reger-se por princípios e valores, como de algum modo aflora o texto de Dacosta, é pura perda de tempo.

Perante tanta passividade e aparente conformismo, às vezes, quase apetece dizer: bem feito! Quem fica de cócoras em vez de lutar pelos direitos, julgando que a sua defesa cai do céu, acaba por pagar o preço - absurdamente injusto para quem descontou toda uma vida ou não possui outros meios, é verdade, mas é assim que as coisas estão neste jardim à beira-mar plantado e no mundo em que vivemos.

É que, justiça, tal como ar puro e água limpa dos rios, são coisas que neste modelo do "salve-se quem puder" há cada vez menos. 

Ou se vem para a rua, seja de muletas, de rojo ou pelo próprio pé, e se faz algo - greve da fome, parar o trânsito, sei lá! - ou estes tipos acabam-nos com a raça. 

E não, isto não é apenas uma opinião ou um desabafo moralista. É conhecer qual o efeito duma causa bem específica, tal como nas leis da Física. Na situação vertente, aliás, essa causa é a inércia.






Sem comentários:

Enviar um comentário